segunda-feira, 1 de junho de 2009

Dando as caras - Graveola e o Lixo Polifônico

Um liquidificador, uma lixeira e muitas reciclagens

Crédito: Luisa Rabello/Divulgação

Por Silvio Luz

Experimentações e reciclagens musicais. Um liquidificador suspenso com espaço para tudo. O gosto pela liberdade e a aversão às rédeas e cabrestos. O nome é apenas mais um detalhe de toda essa construção, ou desconstrução, como preferir. Graveola e o Lixo Polifônico é uma banda de Belo Horizonte, formada em 2004, com uma única intenção: "enxertar fragmentos amaldiçoados da cultura pop, paródias e esboços de composições próprias, oscilando entre o lirismo e o deboche", como diz a definição oficial. O grupo tem show marcado em BH, no Reciclo 1, no dia 11/06.

O lixo é o centro das atenções, e dele são criadas diversas camadas e texturas musicais, formando canções cheias de ramificações e preenchidas com muito experimentalismo. Copos, chaveiros e até uma lixeira em desuso, além do violão quase sempre presente, é material para este grupo que só quer mostrar seu imaginário "lírico-urbano-de-noticiário-de-rádio-AM-terceiromundista". O primeiro disco, homônimo, foi lançado no ano passado.

Na entrevista exclusiva ao Entrete[discer]nimento, Luiz Gabriel, uma espécie de frontman da banda, falou de rótulos, formação do Graveola, ramificações, misturas, entre outros tantos ti-ti-tis. Confira:

Por que Graveola e o Lixo Polifônico?

Luiz Gabriel - Pois é, a história desse nome é bem controversa. Existem várias versões. Uma delas, a que me lembro no momento, é que estávamos desesperados de tanto tentar achar um nome definitivo pra banda, pois já tínhamos ensaiado várias possibilidades anteriores e chegamos até a fazer alguns pequenos shows com outros nomes - um deles era "O mosco e a moça", para você ter uma idéia. Daí resolvemos fazer uma espécie de ritual randômico dadaísta de batizado, colocar várias palavras numa sacola e sortear aleatoriamente. Nessa época, já tínhamos o lixo polifônico como espécie de totem, que de fato era uma lixeira que usávamos pra batucar, na falta de outros instrumentos (ela existe até hoje!). Aí colocamos várias palavras recortadas de revistas dentro do lixo polifônico e, depois de sabotar a integridade do processo algumas vezes - porque algumas palavras que saíram antes eram muito difíceis de usar, tipo "decadentismo", "acessibilidade" e "recomendação" -, demos com a reluzente sonoridade do nome "graveola" (que, de fato, veio "graviola", mas aí, por motivos que hoje já nos escapam, fez-se em corruptela com a letra "E"). E daí, o subtítulo "lixo polifônico" já era um adendo natural e necessário, sobre o qual até hoje perambulamos em confusas e controversas conceituações.

Fale um pouco sobre a formação da banda... Tocavam para se divertir ou desde o começo pensaram em se profissionalizar?

Luiz Gabriel - Começamos como quase toda banda, tocando de curtição. Na época, o Marcelo, o Zé e eu participávamos de rodinhas de violão pela faculdade (UFMG). Aí começaram a surgir músicas próprias, a banda foi crescendo em integrantes até chegarmos aos septeto que somos hoje, fora toda a galera que dá uma força, som, luz, produção, vídeo etc. Isso da "profissionalização" tem sido um processo meio que inevitável, acontece na medida em que o trabalho do grupo vai tendo reconhecimento, formando algum público e tal. Não foi uma coisa muito pensada estrategicamente. Mas claro que isso parte de uma escolha, que é a de tornar a banda um trabalho como outro qualquer, só que mais divertido, felizmente! E também a de levar a música como trabalho, principalmente. É bacana porque a gravação do disco veio num momento bem "ou vai ou racha" mesmo, já tínhamos a banda há algum tempo, um primeiro ciclo dessa produção autoral já acumulada, então a possibilidade de gravar veio bem a calhar, pra registrar o que tinha rolado até então e poder virar a página, dar seguimento à história.

Quando se fala de música, definir rótulos é limitar a imaginação e a arte?

Luiz Gabriel - Uai bicho, acho que os rótulos são uma questão de mercado mesmo, quem vende e quem consome tem necessidade de saber em que prateleira colocar tal coisa. E aí fica essa confusão de gêneros, sub-gêneros e sub-sub-gêneros. É uma forma de limitação sim, mas que é imposta pelo mundo prático, pelas esferas materiais em que a arte se insere. No nosso caso, como a gente mesmo sempre teve dificuldade de saber como "vender o peixe" nesse aspecto de "em qual rótulo" encaixar a banda, então começou essa sacanagem de confundir ainda mais ("eu tô te explicando pra te confundir..."), sabotar de alguma forma esse esquema tradicional de gênero, release etc, usando um material textual menos explicadinho, com definições que vêm de um imaginário da banda bastante bagunçado e verborrágico. E acabou virando uma espécie de "hobby interno" nosso, esse de teorizar em cima do que a gente faz de uma maneira meio maluca, criar nomes, categorias e tal... E daí essa conversa toda de culinária sonora, barroco-beat, estética do plágio, pós-tropicalismo, que, de fato, traduzem ideias que a gente tem sobre o nosso processo, mas de uma forma não tão didática como geralmente é esperado.

A capa do primeiro álbum tem uma ilustração com várias ramificações. Esta é a síntese e a representação ideal para a produção musical e artística da banda?

Luiz Gabriel - O desenho é da Flora, minha irmãzinha linda (risos), que toca percussão e tem feito uma parte desse trabalho visual da banda junto com o Marcelo. Não fui eu que concebi, então não posso falar de dentro do processo, mas acho que tem a ver sim com essa característica "rizomática" dos processos da banda, a coisa de vários vetores que se esbarram, se multiplicam e se ramificam em direções pouco identificáveis, com um caráter meio randômico, mas muitas vezes profundamente harmônico. Vejo o desenho da capa como uma metáfora legal desse imaginário nosso, de uma metamorfose contínua e pouco programática.

Além da música, vocês incluem outros tipos de arte nas apresentações?

Luiz Gabriel - Temos um trabalho já há algum tempo com projeções de vídeos, com uns amigos nossos que trabalham nessa área. Pelo fato de ser formado em comunicação, cheguei a trabalhar com alguns projetos audiovisuais, e até hoje, de vez em quando, me envolvo com algumas coisas. E nesse meio é que calhou de uma galera fazer a parceria com a gente, a Priscila, o Maurício e a Luisa. Também está começando a rolar uma preocupação cenográfica, que envolve esses três e mais o Marcelo e a Flora. A Luisa também está começando a trabalhar com iluminação nos shows com mais frequência. É tudo bem devagar e aos poucos, porque é bem na tora, quase nunca tem grana, é só um bando de amigos muito talentosos e bem dispostos! Mas temos essa vontade sim, de construir uma coisa inteira, não ficar só preocupado com a música, ou com a performance de palco, mas com o todo, porque o show é um dispositivo bem complexo em termos de linguagem. É difícil chegar num equilíbrio, mas vamos tentando.

Em BH, qual é o público que consome (ou melhor, digere) esta nova safra de bandas independentes?

Luiz Gabriel - Ainda é bem pequeno, mas existe. Dá pra ver pela galera que frequenta os nossos shows, e que geralmente também frequenta o circuito independente como um todo. E tem muitas interseções entre os públicos das bandas, o que é muito massa. Acho que ainda falta um "tomar das rédeas" mais firme por parte da galera das bandas aqui, se engajar e se juntar mais, esconder menos o ouro, dar mais a cara à tapa, porque tem muito disso também, muita amarração, que ainda se soma com a capenguice do circuito também, claro. Há poucos espaços pra tocar e aí as bandas acabam fazendo shows com pouca frequência mesmo. E ir pra fora de BH é difícil, então fica essa coisa meio insistente e tropeçante. Mas não tenho dúvidas de que nós e os outros grupos desse mesmo cenário ainda estamos engatinhando, apenas no início desse processo de formar público pra cena daqui. Potencialmente, o horizonte é muito maior.

Se pudessem se comparar a algum artista ou banda - que esteja na ativa ou não - qual seria?

Luiz Gabriel - Não digo comparar, propriamente, mas dos "medalhões" que estão na ativa tem o Tom Zé, que é talvez o cara que sintetiza várias das nossas crenças estéticas, teóricas e sonoras. Devemos muito ao pensamento e à obra dele, foi e ainda é fundamental para várias das direções que tomamos. Talvez pelo fato dele ter sido, dos que emergiram no bonde do tropicalismo, um dos mais radicais. Acabou criando um universo muito próprio, uma obra muito diversa, mas profundamente coerente, cheia de auto-referências, cujos processos de desenvolvimento da linguagem são claramente visíveis.

E do cenário independente?

Luiz Gabriel - Da cena atual não conheço nada que lembre nosso som muito diretamente, mas vejo alguns tipos de parentesco com algumas bandas tipo o Cérebro Eletrônico, nessa mesma questão das referências, de uma relação com uma certa linhagem do cancioneiro brasileiro. Tem também o grupo Do Amor, que tem umas ondas de misturas e experimentações muito "ducaralho", uma vontade de dar conta da tradição inteira, sem distinções, de deglutir todo tipo de som, que acho que a gente compartilha, além do lado debochado e sacana. Recentemente saquei o Porcas Borboletas, uma banda de Uberlândia, que mesmo sendo bem diferente no âmbito sonoro-musical, parece ter mesmo um parentesco com a gente nas intenções. Um aspecto cênico-performático forte e uma inclinação por um imaginário onde a gente também passeia, meio televisivo-história em quadrinhos, meio "lírica-urbana-de-noticiário-de-rádio-AM-terceiromundista". Vi um show aqui em BH e achei bem interessante o trampo deles.

Falando nisso, quais são as principais influências do grupo?

Luiz Gabriel - É aquele velho papo: as influências estão sempre em metamorfose, dependem do que a gente está ouvindo no momento, não é uma coisa fechada. Talvez dê pra dizer que tem algumas coisas fundantes, principalmente no âmbito composicional, que é o cancioneiro clássico da MPB mesmo, de várias linhagens: Caetano, Gil, Jards, Novos Baianos, Sérgio Sampaio, Luiz Melodia, Roberto Carlos, Tom Zé, Itamar Assumpção, Rumo, os sambistas antigos, Moreira, Noel, toda essa galera... Poutz, tem muita coisa. Mas, em geral, a gente tem um pouco a postura de se deixar atravessar por todo tipo de sonoridade, todo tipo de gênero... Rola um certo gosto por "alteridades radicais", coisas de fora desse panteão mais estabelecido, na intenção de estabelecer um "meio do caminho", de incorporar e modificar essas realidades dentro do que faz sentido pra gente. Então entra aí tudo que for cultura de massa também, o pagode, o axé, a música sertaneja, o pop americano e um certo pendor pelo brega também. Enfim, tem muita coisa, por isso é difícil falar. Mas acho que as influências são bem visíveis nas músicas, a gente se reporta a elas o tempo todo.

Estamos vivendo algum momento especial e inovador ou a mesmice revestida de novidade é o que ainda impera?

Luiz Gabriel - Acho que a mesmice em si não é o problema. Às vezes, essa coisa de uma busca desenfreada do novo me incomoda um pouco. O novo pelo novo não vale nada, tem que fazer sentido. É claro que as renovações são sempre bem vindas, muitas vezes necessárias, é o motocontínuo do mundo mesmo, as linguagens, os valores, tudo se transforma, isso é uma condição estrutural da nossa realidade. Mas não acho que a questão em relação à arte se resume a isso. Penso mais numa necessidade de estar conectado ao próprio tempo, às questões e às mudanças que estão em curso nesse tempo, às revisões e proposições necessárias. E não sei dizer se estamos vivendo um momento especial e inovador. Talvez todo momento histórico se creia dessa forma, e talvez todos sejam, mas em proporções e velocidades diferentes. Mas é uma questão de horizonte mesmo, o alcance da visão tem seus limites históricos. É difícil perceber com muito apuro crítico o que está rolando ao redor da gente. Então essa sensação de que alguma coisa muito diferente está por vir me parece talvez uma vontade de acelerar processos que, na verdade, já estão acontecendo, mas de maneira sutil, e que operam transformações numa dimensão tão importante, se não maior, do que em supostas revoluções.

Musicalmente falando, o uso de naipes de instrumentos de sopro, forte característica da banda, é uma tendência atual nas novas produções independentes?

Luiz Gabriel - Poutz, que pergunta...! Sei não, mas talvez o pontapé inicial disso no nosso passado recente tenha sido o surgimento do Skank, lá pra 90 e poucos, com aqueles arranjos fodassos do Chico Amaral, aqueles naipes que a galera cantarolava tanto quanto ou mais que os refrões das músicas. É engraçado até lembrar dessa época, que parece que rolou uma certa ditadura estética nesse aspecto, no pop brasileiro, várias bandas de um hit só apareceram nessa época e tinham essa coisa do naipe de sopros, uns arranjos de contracanto com os refrões. Aquelas bandas que iam no Planeta Xuxa, lembra do Nepal? Teve também uma que se chamava Fincabaute, mesmo esquema (risos). Viagem isso, uma pseudo-genealogia dos naipes de sopros no pop brasileiro... E tô lembrando aqui que foi também nos anos 90 que teve a onda da axé music, que também incorporou muito essa sonoridade. Mas, recentemente, no cenário da música independente apareceu o Móveis Coloniais de Acaju, que tem essa coisa do pesão dos naipes de sopro quase como traço definidor do som da banda, que é muito bacana. Mas sei lá, viajei aí e não respondi sua pergunta (em off: achei interessante você dizer que os naipes são um traço característico da banda, o João vai ficar feliz!)

Por falar em independente, qual é a banda ou artista do cenário brasileiro que vocês mais admiram? Por quê?

Luiz Gabriel - Não dá pra falar de uma banda, um cara, é muito difícil. A pluralidade é muito grande e com a internet está tudo na mão, então dá pra garimpar muita coisa fina por todos os lados. Aqui em Belo Horizonte mesmo tem uma cena de música autoral se formando que vai dar em coisa muito boa. Muita diversidade estética e muita seriedade nos trabalhos. Tem coisas super cabeçudas e finas no campo da música instrumental, tipo o Ramo, o Diapasão, o Madeirame, o João Antunes, o Antonio Loureiro, o Felipe José. Da galera que trabalha com canção também tem coisas muito especiais e peculiares: Rafael Macedo, Quebrapedra, Pablo Castro, Kristoff Silva, Mutum, Alexandre Andrés, Makely Ka. E mais: da galera com perfil de banda de rock, tem umas coisas foda também, como o The Dead Lover's Twisted Heart, The Junkie Dogs, Transmissor, Ram e Iconili. Enfim, é só dar uma garimpada pela rede dos Myspaces daqui que vai achar muita coisa boa. Eu sou fã dessa moçada toda.

Como estão os convites para shows e festivais?

Luiz Gabriel - Estamos tocando por aqui com uma regularidade legal. Tínhamos um certo receio de "esgotar" muito rápido o público, mas, felizmente, os shows estão sempre cheios, é bem bacana. A gente faz um esforço grande pra não se repetir muito nos shows também, vamos incorporando alguns work-in-progress de músicas novas, alguns covers, pra dar uma oxigenada no dia-a-dia da banda e não ficar uma coisa chata. Mas o esquema de festivais ainda não rolou muito não. Não recebemos nenhum convite até então, acho que não somos considerados "indie" o suficiente (risos). Mas falando sério, talvez não tenhamos corrido atrás disso ainda do jeito certo, mas estamos querendo dar uma roletada, tocar em outros lugares. É difícil, é caro, a banda é grande, é foda, mas em breve a gente cai na estrada com mais firmeza, eu espero.

O Graveola e o Lixo Polifônico é formado por José Luis Braga, Luiz Gabriel Lopes, Flora Lopes, Marcelo de Podestá, Yuri Vellasco, João Paulo Prazeres, Bruno de Oliveira. Vale a pena conferir o MySpace dessa galera. Destaque para as músicas Insensatez, a mulher que fez, Cidade e O Quarto 417 (As Aventuras de Dioni Lixus). No site oficial do grupo é possível conferir vídeos, cifras e outras tantas experimentações.

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