Por Silvio Luz
Depois de conhecer e ouvir o som do qUEbRApEdRA, o Entrete[discer]nimento foi atrás da banda para saber um pouco mais sobre as histórias e os meandros musicais lá de Belo Horizonte. No bate-papo denso e repleto de informações musicais para quem quer conhecer um pouco mais do cenário independente de uma partezinha de nosso Brasil, o pianista Rafael Martini falou sobre a formação do grupo, MPB, cultura popular, entre outros assuntos.
Confira entrevista na íntegra:
Por quê Quebrapedra? Tem a ver com a quebra de padrões musicais?
Rafael Martini - Quebrapedra é, primeiramente, o nome de um pássaro fictício criado por Antônio Carlos Jobim. O Tom, que era ornitólogo amador, criou esse pássaro, tendo inclusive o requinte de elaborar seu canto, com duas notas num intervalo de terça menor. E a melodia desse canto aparece na obra dele em vários momentos, em músicas diversas, como um tema recorrente, e muitas vezes com uma letra, que diz justamente “Quebrapedra”. O nome do grupo tem, é claro, uma intenção de reverência ao Tom, como se com nossas músicas, estivéssemos respondendo ao canto do seu pássaro imaginário, assim como os pássaros fazem, mas com a diferença de não ser uma resposta imitativa. É uma resposta que se produz com a absorção da música do Tom e de todas as outras que nos marcam, e a criação de um novo canto, uma nova música, que passamos pra frente, como que continuando a “corrente”, uma vez que as músicas que nos influenciam, foram influenciadas por outras e assim por diante. Acho, portanto, que o nome tem a ver, sim, com a quebra de padrões musicais, mas apontando para o fato de que só se transgride o que já é conhecido, e que essa atitude transgressora já nos foi “soprada” no ouvido por outros compositores de canções, outros pássaros, num sentido metafórico, que ouviram o canto de um outro e responderam a ele com um novo e próprio canto.
Como funciona o processo de composição (letras e música)? É um esquema rígido de sentar e compor, ou as canções vão surgindo naturalmente?
Rafael Martini - As canções geralmente surgem primeiro com a música (feita por mim), mas já feita sob medida para se por letra posteriormente (pela cantora do grupo, Leonora Weissmann). É o processo inverso ao que muitos cancionistas empregam, extraindo da letra a música que há nela. É que da mesma forma que pode-se “auscultar” a melodia interna que um poema carrega, podemos extrair da música sem palavras, um texto que ela nos sugere.
O grupo acredita que está tendo sucesso na empreitada de pesquisar a fundo a música brasileira e apresentar uma sonoridade original?
Rafael Martini - Pelo menos no que diz respeito à nossa realização pessoal enquanto músicos e compositores, sim! Estamos juntos desde 2001 e começamos, como muitos grupos, tocando “covers” de muita gente da música brasileira como Egberto Gismonti, Tom Jobim, Edu Lobo e Jorge Mautner. Acho que o que podemos chamar de pesquisa é essa vivência de intérprete que tivemos durante muito tempo e hoje se mantêm na interpretação de canções de novos compositores, companheiros de cena aqui em BH, como Antonio Loureiro, Felipe José e Kristoff Silva. No fim das contas, vivenciar tantas canções diferentes e notar as diversas maneiras de se fazer uma canção foi o que nos moveu a fazer as nossas.
Quais as principais influências do Quebrapedra e como elas se traduzem na música produzida por vocês?
Rafael Martini - Acho que as principais influências do grupo estão na música brasileira, cantada e instrumental, e vão desde referências gerais, como Milton Nascimento e Hermeto Pascoal, até experiências menos populares como as do Grupo Rumo e do André Mehmari. Mas há também a forte presença da música instrumental contemporânea feita por grupos como The Bad Plus, do Rock e Pop de várias épocas, de Radiohead à Genesis, além da inspiração vinda da música erudita e da cultura popular. Essas influências chegam à nossa música de maneira não-premeditada e natural, resultado das relações que são criadas entre elas, creio, dentro do nosso imaginário sonoro, onde se encontra tudo o que nos influencia.
A cultura popular brasileira está sendo mais valorizada na música produzida atualmente? A galera nova que está surgindo está mais sintonizada nessa valorização das raízes?
Rafael Martini - A cultura popular brasileira sempre foi a matriz de boa parte da chamada MPB. Por conseguinte, ela acaba influenciando, mesmo que de maneira indireta, a música feita até hoje no Brasil. Alguns músicos reconhecem essa influência e procuram conhecer mais a fundo as origens disso tudo, o que é o caso de muita gente nova. Paradoxalmente, acredito que essa “volta às raízes” funciona como um grande impulso pra criação de coisas inovadoras e originais, é uma consciência que tentamos sempre exercitar no Quebrapedra e que enxergamos na música de gente como Antonio Loureiro, Benjamin Taubkin e Gabriel Grossi.
Como está a divulgação do primeiro disco de vocês? A recepção do público é boa?
Rafael Martini - Estamos usando bastante a internet por meio de blogs, MySpace e YouTube para divulgar o disco. Fizemos shows de lançamento em BH e estamos viabilizando o lançamento em outras cidades do país. A recepção do público é boa, sim! Tem muita gente antenada nos trabalhos de grupos, cantores e cantoras que estão mostrando músicas e concepções novas. Aqui em BH, o volume de músicos fazendo música autoral vem aumentando muito e, junto com o volume, a qualidade da produção.
Quando pretendem vir para Sampa apresentar o trabalho autoral de vocês?
Rafael Martini - O mais rápido possível! Talvez agregado ao lançamento de discos novos de companheiros daqui. Já, já...
O que está no repeat no seu aparelho de música agora?
Rafael Martini - Quase em Silêncio, o recente e primeiro disco de Rafael Macedo, e Pulando o Vitrô.
Sem a música, o mundo seria...
Rafael Martini - Nossa...! Inumano, imagino...
Você acha que a Música Popular Brasileira está muito diluída nas vozes de cantoras que se parecem muito entre si?
Rafael Martini - Um dia desses ouvi a Leny Andrade dizendo que depois da Marisa Monte, ela só viu surgir “um monte de 'Marisinhas'”. Concordo com ela, mas acho que essa diluição que você diz está mais na pausterização das composições, uma vez que a maioria das cantoras não compõem ou não escolhem seu repertório com uma atitude autoral. Mas isso acontece pricipalmente no mainstream da MPB e do Pop, nas novelas, etc... Se voltarmos nossos ouvidos para cantoras de muita personalidade e menos reconhecimento como Fabiana Cozza, Ana Luisa, Mônica Salmaso, Dani Gurgel e Leopoldina, vemos que para se ouvir música inventiva e viva, não se pode mais esperar que ela seja apresentada pelo rádio ou TV. Acho que é isso que causa a sensação em muitas pessoas de que “nada mais de novo é produzido na MPB desde a década de 70”.
Para ouvir canções do qUEbRApEdRA, clique aqui.
A inteligência da arte e a arte da inteligência.
ResponderExcluirQuebram tudo esses meninos.
Valeu Silvio Luz, gosto refinado!
Soró