sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Entrevista - Juçara Marçal

"Sem cultura popular não temos futuro", diz cantora

Crédito: myspace.com/jucaramarcal

Por Silvio Luz

Além de cantora, Juçara Marçal é professora de canto e pesquisadora das diversas raízes brasileiras, traduzidas em sua música e em seu primeiro disco solo, Padê, lançado no ano passado, em parceria com o músico Kiko Dinucci. Ela também faz parte do grupo A Barca, que percorreu veredas e veredas do Nordeste pesquisando a fundo a diversidade desse país, que, em grande parte, está traduzida no disco Turista Aprendiz.

Na entrevista abaixo, Juçara bate um papo sincero e direto sobre cultura popular e riquezas brasileiras. "Sem valorizar a cultura popular nos tornamos sem graça, sem força, sem futuro", destaca. Confira:

Misturar o erudito com o popular, como faz A Barca, é uma forma de mostrar que tanto uma cultura quanto a outra é essencial para nossa música?

Juçara Marçal - Na verdade não sei se é exato dizer que misturamos erudito e popular. Talvez seja mais correto pensar que unimos o universo da música da cultura popular tradicional à nossa maneira de tocar, repleta de referências urbanas - que são, sim, eruditas, mas também jazzísticas, bossanovísticas, enfim... Traduzimos a visão de músicos brasileiros que, até o surgimento d'A Barca, trabalhavam no universo da chamada música popular brasileira, que é imenso. O essencial para nossa música? Puxa vida! Essencial é uma palavra tão forte! Acho que fundamental mesmo é essa riqueza da música que vem desses mil Brasis da cultura popular. E fundamental é tratar esse material com o respeito e a profundidade que ele merece. Fundamental ainda é você ter cada vez mais clareza do que te identifica como músico, e tratar com muita verdade essa identidade, uma descoberta diária de todo artista.

Como consegue transitar livremente e adequar a agenda própria com os grupos que você integra, além da atividade acadêmica como professora?

Juçara Marçal - Se há receita para isso, talvez ela já esteja acenada ali na primeira resposta: cuido de perceber e buscar diariamente o que me identifica como cantora, como professora e como participante desses grupos. Há uma linha mestra que perpassa todos esses trabalhos e é ela que possibilita o trânsito. Essa procura passa pela pesquisa das nossas manifestações populares - em todos os meus trabalhos esse mote está presente de alguma forma -, pela audição atenta de tudo que é som, daqui e do mundo, da troca com músicos que admiro, que respeito, seja pela originalidade, pela modernidade de suas criações, pela profundidade, pela musicalidade, pela brasilidade... e por aí vai...

A cultura regional, sobretudo a do Nordeste, em todas as suas vertentes (música, artesanato, artes plásticas, audiovisual, dança etc.) está recebendo mais atenção aqui do Sul e Sudeste? Por quê?

Juçara Marçal - Acho que já no trabalho de pesquisa do Mário de Andrade, lá atrás, essa percepção da riqueza da música que vem do Nordeste já existia.

Qual sua ascendência?

Juçara Marçal - Minha avó materna era índia. Meu avô era negro, neto de escravo. Meu avô paterno era mulato, minha avó paterna, negra sarará. Então, acho que no cômputo geral sou cafuza.

Quando surgiu esta paixão pela música regional?

Juçara Marçal - O trabalho d'A Barca foi um divisor de águas na minha vida musical. A partir do grupo, eu encontrei uma maneira diferente de entender a música, a forma de fazer música e de ouvir música. E isso passa necessariamente pela identificação com a música da cultura tradicional feita em todos os cantos do Brasil. Acho que dizer música regional reduz muito. É música do Brasil profundo. Aquele que produz, faz arte e cultura há "miliano" sem depender de jabá, de CD, de casa de espetáculo, de programador.

Qual sua dança e ritmo preferido? Por quê?

Juçara Marçal - Não tem isso. Gosto muito do Congado, por causa da minha ascendência mineira - minha família materna é toda de lá. Gosto muito do boi do Maranhão, gosto muito do coco, do samba... Ixe, não tem isso mesmo. É impossível escolher um!

Quais lugares do Nordeste você já conheceu e qual foi a experiência mais marcante de sua carreira?

Juçara Marçal - Já conheci todo o Nordeste. Também é difícil falar aqui da experiência mais marcante. Lembro agora da emoção que foi conhecer o Quilombo de Frechal, no Maranhão, e o de Caiana dos Crioulos, na Paraíba. Mas não dá para dizer que é a mais marcante da minha carreira. Tem também o dia em que fui pela primeira vez ver o Jongo de Guaratinguetá. Igualmente marcante.

Como é fazer parte de um grupo (A Barca) que rodou o Nordeste, pesquisando, registrando e propagando a música brasileira?

Juçara Marçal - O gosto pela pesquisa sempre norteou o trabalho d'A Barca, e isso foi uma das coisas que me encantou no trabalho. E obviamente a riqueza das músicas que fomos conhecendo durante os primeiros meses de encontros, ouvindo o material recolhido pelo Mário, aprendendo a tocar as partituras escritas por ele nos livros lançados depois de sua morte, com vários gêneros (cocos, bois, danças dramáticas...), e com o encontro com as comunidades que lidavam com a música da cultura popular, seus mestres e brincantes.

Você se imagina cantando em outro idioma ou abarcando culturas populares de outros países?

Juçara Marçal - Só se for em outra vida, pois nessa, só com o que já registramos de material e que já sabemos que está por ser visto e encontrado, não vai dar tempo!

Depois de Padê, seu primeiro álbum solo, qual o próximo passo em sua carreira?

Juçara Marçal - O que rola atualmente é um projeto que surgiu do Padê. Num dos shows que eu e Kiko fizemos, em vez de chamar a banda toda, resolvemos fazer só voz e violão. Mas chamamos um sax pra dar uma sonoridade diferente. E o resultado desse encontro da voz, violão e sax foi tão bacana que acabou virando um novo projeto, chamado Metá Metá. O termo iorubá significa, a grosso modo, três elementos sintetizados em um. Outro projeto surgido recentemente é o show com voz e piano, que faço com o Lincoln, d'A Barca. O nome do show é o mesmo da música que fizemos em parceria e que está gravada no Padê: Jatobá. Fizemos Jatobá - o show na Casa de Francisca, fomos para Paris e fizemos o show lá com participação do Ari Colares e do Walter Garcia, e agora vamos fazer de novo em outubro, novamente na Casa de Fran. Por enquanto é isso. E tem também o trabalho do Vésper - grupo vocal do qual eu faço parte -, que prepara show novo para estrear em breve.

Crédito: myspace.com/jucaramarcal

Como foi gravar um CD com Kiko Dinucci (foto)? Qual a importância dele na sua música?

Juçara Marçal - O CD surgiu da afinidade que rolou entre nós. Antes nunca tinha tido vontade - que durasse! - de gravar CD solo. Mas depois que fizemos o show A Toda Hora Rola Uma História eu fui gostando tanto de cantar as músicas dele e dos resultados que íamos conseguindo juntos que deu vontade de ver aquilo registrado. Daí surgiu Padê. Amo cantar as músicas do Kiko porque elas traduzem o que eu mais prezo em arte, em música: a ligação com a ancestralidade, com o Brasil ancestral, o toque do tambor, a pegada de modernidade - em todos os sentidos -, a originalidade melódica aliada à simplicidade, ainda que aparente... Coisas assim... Adoro aquelas coisas que parecem naturalíssimas, mas que têm um arranjo sofisticado, sutil, manhoso por trás... E o Kiko é mestre em fazer isso!

Sem a valorização da cultura popular e da música brasileira, nos tornamos...

Juçara Marçal - Sem graça, sem força, sem futuro...

Para ouvir Juçara Marçal no MySpace, clique aqui. E para conhecer um pouco mais sobre as pesquisas musicais d'A Barca, acesse o site oficial do grupo.

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